É sabido que o uso de cannabis em tratamentos medicinais pode trazer inúmeros benefícios que são resultado de ações naturais da reação dos componentes da planta com o organismo. Cada vez mais, pesquisadores estudam novos tratamentos enquanto, paralelamente, alguns países ainda discutem a legalização do cultivo da planta.
Em sua maioria, os benefícios/efeitos estão relacionados à diminuição de dores, melhora na qualidade do sono, diminuição de ansiedade, aumento de apetite, entre outros. Entretanto, vale compreender um pouco mais a respeito das variedades da planta, uma vez que cada uma apresenta diferentes reações por conta de sua composição, o que, consequentemente, influencia em suas aplicações terapêuticas.
A espécie vegetal Cannabis Sativa L. possui duas subespécies principais: Cannabis Sativa e Cannabis Indica. Cada uma conta com sua própria gama de efeitos no corpo e na mente, o que resulta em uma ampla variedade de benefícios medicinais. As cepas Indicas, geralmente, proporcionam uma sensação de relaxamento profundo no corpo. Cepas Sativa, por sua vez tendem a fornecer uma experiência mais enérgica, por exemplo.
As diferenças entre Cannabis Sativa e Cannabis Indica são fundamentalmente em sua composição química, estética fisiológica e aplicação médica, pois cada variação conta com diferentes combinações de canabinoides. Por isso, muitos pacientes relatam efeitos medicinais distintos ao utilizar diferentes cepas.
Canabinoides: o que são e qual o papel?
Os produtos químicos ativos responsáveis pelos efeitos medicinais da cannabis são denominados coletivamente de canabinoides. Este grupo inclui, por exemplo, THC, CBD e CBN. Pesquisadores ainda não determinaram por meio de robusto material científico o que todos os canabinoides fazem, no entanto, identificaram dois principais – tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD) -, além de vários compostos menos comuns.
São eles:
THC (Tetrahidrocanabinol)
O THC é o canabinoide mais popular da cannabis. Ele se liga, principalmente, aos receptores encontrados no cérebro e reduz – ou até mesmo elimina – a dor, a náusea e o estresse, além de ajudar a estimular o apetite e combater a insônia.
CBD (Canabidiol)
O CBD é o canabinoide conhecido por reduzir crises de convulsão relacionadas à epilepsia e os espasmos da esclerose múltipla. Conforme vimos no estudo realizado por Raphael Mechoulam, esse canabinoide não possui efeitos psicoativos, sendo o principal recomendado aos pacientes, capaz de reduzir a inflamação e a dor, além de poder ter efeitos ansiolíticos antipsicóticos e antidepressivos.
CBN (Canabinol)
O CBN é um componente psicoativo da cannabis. Pode ser um bom aliado no auxílio da melhora do sono, ou até mesmo funcionar como um sedativo. Além disso, o CBN ajuda a regular o sistema imunológico, reduzir a pressão intraocular provocada pelo glaucoma e a aliviar a dor e as inflamações causadas por várias condições, incluindo a artrite e a Doença de Crohn.
CBG (Canabigerol)
Canabigerol, ou CBG, é um canabinoide não psicoativo tipicamente abundante em plantas com baixo teor de THC. Assim como o THC, o CBG reage com os receptores canabinoides do cérebro. No entanto, ele atua como um amortecedor para a psico-atividade do THC.
CBC (Canabichromene)
Canabichromene ou CBC, é um canabinoide poderoso e não psicoativo. Do mesmo modo que THC e o CBD, o CBC é capaz de incentivar a viabilidade do desenvolvimento de células cerebrais em um processo conhecido como neurogênese, desempenhando um papel significativo nas capacidades anticancerígenas e antitumorais da cannabis. Esse tipo de canabinoide combate, também, a inflamação sem ativar, no entanto, nenhum dos receptores endocanabinoides do organismo. Por conta disso, os poderes de cura da CBC aumentam consideravelmente quando combinados com outros canabinoides, como THC ou CBD (que ativam os receptores endocanabinoides em todo o corpo).
THCA (ácido tetrahidrocanabinólico)
O ácido tetrahidrocanabinólico (THCA) é o canabinoide não-psicoativo mais abundante presente na cannabis. Os benefícios para a saúde fornecidos pelo THCA são melhor absorvidos pelo corpo por meio de um método de consumo bruto, como, por exemplo, o suco de cannabis. Esse tipo de canabinoide auxilia a estimular o apetite em pacientes que sofrem de caquexia e anorexia nervosa. Pesquisas demostraram, ainda, que o THCA também ajuda a diminuir a proliferação de células cancerígenas.
CBDV (Canabidivarina)
Canabidivarina ou CBDV é um canabinoide não psicoativo, encontrado em maior concentração em plantas indicas. Tal qual o CBD, o CBDV reduz consideravelmente a frequência e gravidade das convulsões sendo, também, benéfico no tratamento de distúrbios da dor e do humor.
CBDA (ácido canabidiólico)
O Ácido Canabidiólico ou CBDA é um canabinoide não psicoativo que atua como um antiproliferativo, ou seja, que tem a capacidade de evitar a disseminação de células cancerígenas. De modo mais exclusivo, o CBDA retarda o crescimento de bactérias, por isso é benéfico no tratamento de condições como HIV/AIDS e Doença de Crohn, condições em que o corpo está mais suscetível a infecções bacterianas.
THCV (Tetrahydrocannabivarin)
Tetrahydrocannabivarin ou THCV é um canabinoide psicoativo encontrado de forma mais frequente em estirpes sativas da planta cannabis. É sabido que o canabinoide produz um sentimento de euforia mais motivado, alerta e energético. Por conta disso, costuma ser recomendado durante o dia ou, então, em qualquer momento em que a funcionalidade seja importante.
Além dos canabinoides, existe, ainda, uma ampla variedade de terpenoides e flavonoides. Os primeiros são constituintes da cannabis que fornecem seu odor característico, enquanto os flavonoides pigmentam a planta.
Cannabis Sativa
Mais popular das variações, o perfil canabinoide da Cannabis Sativa é dominado por altos níveis de THC e níveis baixos ou inexistentes de CBD em suas flores.
Esse tipo de planta canabinoide possui ampla fase vegetativa, o que faz com que possa atingir até 5 metros de altura e conta com folhas finas e longas. Por conta de seu potencial de crescimento, a floração dessa espécie é longa (10 a 12 semanas de floração), levando mais tempo para amadurecer. A cannabis sativa é encontrada principalmente em climas quentes e secos, com longos dias de sol. Isso inclui África, América Central, Sudeste Asiático e partes ocidentais da Ásia.
Efeitos Cannabis Sativa comumente associados ao uso:
Por conta da alta concentração de THC nessa espécie em comparação às demais, a Cannabis do tipo Sativa tem efeito estimulante, sendo recomendadas para o uso durante o dia e de forma terapêutica, auxiliando no combate de:
- Ansiedade
- Depressão
- Dores Crônicas
- Fadigas Musculares
Além disso:
- Aumenta a serotonina (um neurotransmissor envolvido na regulação da aprendizagem, humor, sono, ansiedade e apetite)
- Indicada para uso diurno
Cannabis Indica
Diferente da Cannabis Sativa, o perfil químico da Cannabis Indica apresenta uma combinação mais equilibrada, com níveis moderados de THC e níveis mais altos de CBD.
Por ser, ainda, mais robusta que a Sativa, a Cannabis Indica não consegue atingir grandes alturas, variando entre 1 e 2,5 metros. Suas folhagens são mais curtas, arredondadas e largas, e suas flores costumam crescer mais próximas umas das outras. São, também, mais resistentes ao toque do que a espécie Sativa.
Por possuir uma fase de floração menor em relação aos outros tipos, essa espécie é indicada para o cultivo “indoor” ou cultivo em estufas controladas e, sendo facilmente adaptada para cada ciclo.
A cannabis Indica é nativa do Afeganistão, Índia, Paquistão e Turquia. Essa variação se adaptou ao clima muitas vezes severo, seco e turbulento das montanhas Hindu Kush.
Efeitos Cannabis Indica comumente associados ao uso:
Apesar de contar com certa quantidade de THC, a Cannabis Indica conta uma característica particular de possuir considerável concentração de CBD, que possui grande poder relaxante, o que faz dela uma planta indicada para o uso noturno ou para um momento de descanso. É indicada para auxiliar no tratamento de condições como:
- Insônia
- Dores musculares em geral
- Espasmos musculares
- Ansiedade
- Dor de cabeça e alívio de enxaquecas
- Náusea
Além disso:
- Estimula o apetite
- Aumenta a dopamina (um neurotransmissor que ajuda a controlar os centros de recompensa e prazer do cérebro)
- Indicada para uso noturno
Cannabis Ruderalis
Não tão popularmente conhecido, existe, ainda, um terceiro tipo de Cannabis: a Cannabis Ruderalis, uma das variedades primárias da planta, que apresenta estatura baixa atingindo, aproximadamente, 50-63 cm de altura e um tempo de amadurecimento consideravelmente mais rápido (é possível ir da semente à colheita no período de pouco mais de um mês).
Essa variação não é amplamente utilizada por não produzir tantos efeitos. A cannabis Ruderalis se adapta a ambientes extremos, como Europa Oriental, regiões do Himalaia na Índia, Sibéria e Rússia. Possui pouco THC e quantidades maiores de CBD, mas, no entanto, pode não ser suficiente para produzir efeito medicinal.
Efeitos Cannabis Ruderalis comumente associados ao uso:
Devido a sua baixa potência, a Ruderalis não é usada rotineiramente para fins medicinais.
Indica vs Sativa: explicando as diferenças cientificamente
Apesar das notáveis diferenças entre as variações, nenhum estudo científico realizado até o momento pôde confirmar o motivo de elas existirem e ainda existem dúvidas sobre o assunto. De fato, a história sugere uma diferença bem mais simples entre Cannabis Indica vs Sativa.
A classificação original da Cannabis Indica foi feita em 1785, pelo biólogo francês Jean-Baptiste Lamarck. Jean observou que determinadas plantas da Índia eram intoxicantes e era possível fazer o haxixe a partir delas. As colheitas tradicionais de cânhamo industrial (Hemp), comuns na Europa, não tinham efeito psicoativo algum.
Ela recebeu o nome Cannabis Indica para que se pudesse distinguir a erva vinda da Índia do cânhamo europeu, até então nomeado Cannabis Sativa. Do mesmo modo, a Cannabis Indica foi especificamente reconhecida pelo seu uso terapêutico na medicina ocidental durante os anos 1800, e somente mais tarde descobriu-se que havia diferença entre a Indica e a Ruderalis, utilizada para fins industriais.